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Cineclube Lumiar e o poder do Cinema na formação cultural de Nova Friburgo

  • novembro 22, 2024
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No distrito de Lumiar, em Nova Friburgo, amantes do cinema transformam assistir a filmes em um espaço de debate, inclusão e resistência cultural. Por Leo Arturius

Cineclube Lumiar e o poder do Cinema na formação cultural de Nova Friburgo

Em meio à serra e ao cenário pacato do distrito de Lumiar, em Nova Friburgo, um grupo de amantes do cinema transforma o ato de assistir a filmes em algo muito mais profundo: um espaço de debate, inclusão e resistência cultural. Fundado em 2008, o Cineclube Lumiar vai além da tela, democratizando o acesso à cultura e abordando questões de identidade e cidadania que ecoam na comunidade. Mais do que apenas um ponto de exibição, o cineclube se tornou um farol para aqueles que buscam entender e questionar o mundo ao seu redor, fortalecendo laços sociais por meio do cinema.

O Início do Cineclubismo no Brasil e Seus Objetivos

O cineclubismo brasileiro teve seu marco inicial em 1928, com a fundação do Chaplin Club, no Rio de Janeiro. Inspirado pelo desejo de discutir o cinema como uma expressão artística, o Chaplin Club promoveu debates sobre linguagem e estética cinematográficas, reunindo figuras intelectuais da época. No contexto nacional, os cineclubes surgiram em resposta à carência de espaços para exibição de filmes autorais e estrangeiros, que traziam uma proposta diferenciada do cinema comercial. Esse caráter formativo e crítico consolidou a prática cineclubista, que gradualmente se expandiu pelo país, oferecendo ao público uma ferramenta educativa e de transformação social.

A partir dos anos 1940, o movimento cresceu com o surgimento do Clube de Cinema de São Paulo, liderado por Paulo Emílio Salles Gomes, que enfatizava o cinema como uma arte independente, digna de análise e crítica. Esse movimento atraiu jovens e intelectuais, promovendo sessões e debates intensos, mesmo para filmes muitas vezes censurados ou ignorados pelo circuito comercial. Nesse período, surgiram também as primeiras associações regionais de cineclubes, fortalecendo o movimento e possibilitando a realização de jornadas cineclubistas — eventos que se tornariam fundamentais para a história do cineclube no Brasil.

Resistência durante a Ditadura Militar

Nos anos 1960, em um Brasil sob o regime militar instaurado em 1964, o cineclubismo assumiu um papel de resistência cultural. Nessa época, os cineclubes tornaram-se espaços de discussão sobre temas políticos e sociais que eram censurados pelo governo. Estudantes, artistas e ativistas buscaram nos cineclubes um lugar onde poderiam confrontar o status quo e denunciar injustiças sociais. Filmes como Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos, Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, e Terra em Transe (1967), também de Rocha, tornaram-se símbolos desse período, apresentando uma crítica ao autoritarismo através de uma nova estética, o Cinema Novo.

Vidas Secas de Nelson Pereira dos Santos
Vidas Secas de Nelson Pereira dos Santos
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Além da exibição de filmes censurados, os cineclubes fomentavam encontros e debates que incentivavam a reflexão sobre temas como a opressão e a luta por liberdade — aspectos centrais do Cinema Novo. Mesmo com a censura e a repressão, o movimento sobreviveu como um espaço de contestação, consolidando-se como um movimento de resistência cultural essencial.

Reorganização e Declínio

Com o fim da ditadura militar e a chegada dos anos 1980, o cineclubismo no Brasil passou por uma fase de reorganização, mas enfrentou novos desafios. A popularização da televisão e dos videocassetes alterou os hábitos de consumo de cinema, afetando a frequência nos cineclubes. Muitos fecharam as portas por falta de público e apoio financeiro, enquanto outros se adaptaram às novas tecnologias e ao contexto cultural. Nesse período, algumas federações e associações, como o Conselho Nacional de Cineclubes, foram criadas para fortalecer o movimento e organizar jornadas nacionais, na tentativa de manter o movimento de cineclube ativo.

Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre ainda mantinham um público engajado, promovendo sessões regulares e debates sobre os filmes exibidos. Contudo, o crescimento das videolocadoras e a industrialização do cinema contribuíram para um declínio do interesse em cineclube, especialmente em cidades menores, onde os recursos eram limitados.

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Cineclubismo Contemporâneo: Adaptação e Persistência Cultural

Nos anos 2000, o movimento experimentou uma nova fase, impulsionada pelas tecnologias digitais e pela internet. Cineclubes independentes passaram a utilizar redes sociais para divulgar atividades e atrair novos públicos, enquanto outros adotaram programações temáticas sobre diversidade, direitos humanos e meio ambiente. Esse novo formato permitiu que sessões fossem mais acessíveis, com debates online e uma maior participação da comunidade.

Em Nova Friburgo, por exemplo, tem grande valor cultural e social, representado principalmente pelo Cineclube Lumiar. Fundado em 24 de fevereiro de 2008 por Pedro Kiua, o Cineclube Lumiar é um projeto cultural que busca democratizar o acesso ao cinema, promovendo a inclusão e incentivando a reflexão sobre temas sociais e ambientais. Com sessões regulares e gratuitas, o Cineclube Lumiar se consolidou como um ponto de encontro comunitário, proporcionando exibições acessíveis, como sessões com legendas em libras.

O Papel do Cineclube Lumiar em Nova Friburgo

O Cineclube Lumiar, além de exibir filmes, promove discussões e debates que enriquecem o público de Lumiar e de Nova Friburgo. Com programação que aborda temas locais e universais, como mudanças climáticas e identidade cultural, o cineclube se destaca por sua proposta de fortalecer a cidadania e preservar a memória cultural local. Desde sua fundação, o Cineclube Lumiar tem realizado sessões aos domingos, atraindo jovens e adultos para reflexões que ampliam a compreensão sobre cinema e sociedade.

O espaço de exibição atual do cineclube é a Sociedade Musical Euterpe Lumiarense, que recentemente foi modernizada com novos projetores e sistemas de som, graças ao apoio da Lei Paulo Gustavo. Com a infraestrutura renovada, o cineclube oferece uma experiência mais imersiva, reforçando seu compromisso com a acessibilidade e a inclusão.

Pedro Kiua, fundador do Cineclube Lumiar, explica que o projeto foi motivado pela vontade de criar um espaço acessível para a população discutir cinema e desenvolver um olhar crítico. Em suas palavras, “o cineclube serve como um local de resistência cultural, contra o obscurecimento de questões sociais importantes, reunindo pessoas interessadas em arte e cultura”. Além disso, ele destaca que o Cineclube Lumiar tem expandido suas ações para além de Lumiar, buscando parcerias em outros eventos de Nova Friburgo e participando de festivais locais.

Agora vamos conversar com Pedro Kiua, graduado em Cinema pela UFF, amante da sétima arte e com trajetória de obter exibições de cineclube ininterruptas em Nova Friburgo:

Qual foi seu maior motivador para criar o Cineclube Lumiar?

 

Pedro: Quando cheguei em Lumiar senti falta de espaços de troca na comunidade. Queria conhecer mais gente e identificar as pessoas que também eram apaixonadas por cinema e trabalhavam com o audiovisual. Então o cineclube foi este espaço que eu gostaria que existisse e onde era possível eu também oferecer um serviço à comunidade através dos meus saberes e meu conhecimento (tinha acabado de me formar em Cinema) e ao mesmo tempo ter trocas mais profundas e sensíveis sobre a vida local. Ao longo do tempo as pessoas que frequentavam a sessão passaram a fazer parte da equipe, somando forças e ajudando a manter as atividades do cineclube.

 

Na sua opinião, como as sessões de cinema têm agregado valor à comunidade lumiarense?

 

Pedro: Nosso slogan é “Cineclube: lugar de bons encontros”. Essa é a nossa maior força. Promovemos encontros. Entre as pessoas que moram na comunidade que muitas vezes não se conhecem, entre o público e o cinema brasileiro, muitas vezes o primeiro contato das pessoas com a cinematografia nacional (já que não há aparelhos culturais ou salas de cinema nos distritos onde o cineclube atua),  promovemos encontros entre os espectadores e os realizadores dos filmes, entre o poder público e a comunidade, entre os artistas da dança, da música e dos movimentos culturais…

 

Nas sessões promovemos não só a cinefilia, mas também o senso crítico, falamos de inclusão, meio ambiente, acessibilidade e de temas LGBTQIA+. Convidamos o público a se responsabilizar para pensar em soluções para os problemas da nossa região. A força desses encontros promove possibilidades de se pensar e sonhar para a região. Desses encontros, ao longo dos anos, surgiram novas ideias para a comunidade como a Feira da Terra  e inspiração para outros movimentos culturais também, como o Fórum Popular de Cultura de Lumiar e Biorregião e até mesmo outros cineclubes. 

 

O Cineclube Lumiar tem expandido suas atividades além de Lumiar; como está sendo a aceitação do público?

 

Pedro: O Cineclube é também itinerante. Atuamos nas escolas diversas vezes, já fizemos sessões em parceria com Cine Revés na comunidade de Cordoeira em Nova Friburgo e muitas vezes somos convidados para mediações e debates além de curadorias para eventos de cinema na região, como aconteceu neste último Festival de Inverno, na Usina Cultural e também no projeto CineSesc.

 

Vamos também até onde o público. Frequentemente fazemos participações e sessões especiais no Café Coragem e na Mercada, dois dos lugares mais badalados de São Pedro da Serra.

 

Importante dizer que o cineclube faz parte da ascine e de outras associações levando a importância da agenda da região serrana para as discussões também sobre disseminação da cultura no interior do estado.



Quais eventos futuros em Nova Friburgo contarão com a colaboração do Cineclube Lumiar?

 

Pedro: Além de manter nossa regularidade semanal, aos domingos, com as sessões na Euterpe Lumiarense, queremos em 2025 voltar a fazer exibições ao ar livre nas praças do distrito. Faz parte dos nossos planos cada vez mais entrar no circuito de lançamento de filmes nacionais e trazer essas obras “de primeira mão” para nosso público. E é claro, estamos abertos aos convites de parceria e colaboração com eventos culturais da cidade.



Daqui a quatro anos, o Cineclube Lumiar completará 20 anos. Qual é o balanço que você faz dessas quase duas décadas de exibições ininterruptas?

 

Pedro: O Cineclube Lumiar é e sempre foi antes de tudo um lugar de resistência. Um lugar onde precisamos dividir as decisões e a gestão. Isso nos fortaleceu enquanto comunidade. Durante muitos anos mantivemos as sessões sem nenhum apoio, patrocínio ou verba, apenas com o trabalho voluntário do coletivo. Entendi nesses 20 anos que o Cineclube faz parte da memória de Lumiar. Temos debates filmados, registrando não só a história de uma época, mas também as transições que foram acontecendo. Cineclube é um lugar de criatividade, um catalisador de transformações sociais. 

Pedro Kiua

Ao longo dos anos, o Cineclube Lumiar consolidou-se como um símbolo de resistência cultural e uma ferramenta poderosa de inclusão em Nova Friburgo. Cada sessão representa uma oportunidade de reflexão e diálogo, ajudando a construir uma comunidade mais consciente e conectada. Com o apoio da população e iniciativas de incentivo à cultura, o cineclube promete continuar sua missão de democratizar o cinema e aproximar pessoas. Quem deseja vivenciar essa experiência única é convidado a participar das sessões semanais, onde cada filme se torna um ponto de partida para a transformação pessoal e coletiva.



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