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Cinema de Fluxo: uma experiência sensorial

Estou aqui para te fazer um convite para abrir seu coração e mente para uma forma diferente de realização cinematográfica, aquela que pretende atingir suas emoções pela imagem em detrimento da narrativa. Venha sair do óbvio comigo, pois nestes filmes prevalecem blocos de afetos cheios de plenitudes e esvaziamentos, fragmentos de vida sem significados fechados, além da preferência pelo sensorial e pelo corpóreo.

Desde o início dos anos 2000, um estilo de realizar filmes se consolidou em diversos países: o chamado Cinema de Fluxo. Suas obras têm a proposta de construção de um tempo não linear, caracterizado não mais por uma representação cronológica dos fatos. São filmes que não possuem a preocupação em criar clímax, nem a oscilação dramática, demonstrando certa indiferença ao tempo e à passagem dos fatos. Em vez de seguir uma história linear com personagens desenvolvidos e um enredo definido, o cinema de fluxo geralmente enfatiza o movimento contínuo das imagens, o fluxo de tempo e espaço, e a imersão sensorial.

O cinema de fluxo muitas vezes envolve longas tomadas, planos-sequência extensos, composições visuais abstratas e experimentais, e uma ênfase no ritmo e na estética visual. Essa forma de cinema pode ser mais experimental e desafiadora para o espectador, já que não segue as convenções narrativas tradicionais e pode desafiar as expectativas sobre o que constitui um filme.

Gerry | Gus Van Sant | EUA | 2003

Trata-se de uma vertente do cinema moderno, constituída anteriormente pelos cineastas Michelangelo Antonioni, John Cassavetes, Andy Warhol e Robert Bresson, entre as décadas de 50 e 80, mas de maneira pontual. Posteriormente tivemos os cineastas Gus Van Sant, Apichatpong Weerasethakul, Claire Denis, Lucrecia Martel, Hou Hsiao-hsien, Philippe Grandrieux, Pedro Costa e outros explorando o estilo. Esses são alguns dos nomes que experimentaram a verdadeira história do filme como comportamento da luz, com a captação do movimento e o sentimento dos ritmos. Para eles, mais importante que o conjunto das ações é criar a experiência sensorial.

Andy Warhol

Como todo movimento cinematográfico precisa se posicionar no tempo histórico, o longa-metragem Misterioso Objeto ao Meio-Dia, 2000, do cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul determinou a consolidação do estilo fílmico. O diretor é apontado por grande parte da crítica mundial como um dos poucos a conceber, em todos os seus filmes, a estética do fluxo. Essa, por sua vez, representa o conjunto de narrativas contemporâneas constituídas a partir de sensações, desdobrando-se num trabalho de câmera capaz de explorar a relação corpo/espaço dentro de uma experiência do tempo como atmosfera.

Misterioso Objeto ao Meio-Dia
Apichatpong Weerasethakul

Cineastas dessa vertente estão em plena atividade e ganham cada vez mais espaço nas salas de cinema, inclusive no Brasil. Filmes como Gerry, 2002, de Gus Van Sant; Hamaca paraguaya, 2006, de Paz Encina; A mulher sem cabeça, 2008, de Lucrecia Martel; Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas, 2010, de Apichatpong Weerasethakul; Girimunho, 2011, de Clarissa Campolina e Helvécio Martins Junior; A Assassina, 2016, de Hou Hsiao-Hsien entre outros. 

A Mulher Sem Cabeça | Lucrecia Martel | Argentina | 2008

Com a difusão dos sistemas streaming de vídeo, o acesso aos filmes não comerciais é uma realidade, seja pelo Mubi e outros, ou por meio de seus lançamentos em DVDs, realizados por distribuidoras de pequeno porte. Dessa maneira, os cineastas do Cinema de Fluxo estão acessíveis e merecem a nossa atenção, sobretudo pelo fato de que suas obras nos proporcionam um novo olhar sobre a nossa relação com o outro.

A lista de representantes desse gênero não para de aumentar com o passar dos anos. Alguns desses cineastas já estão consolidados, como Edward Yang , Jia Zhang-Ke e Wong Kar-Wai (China); Tsai Ming Liang (Malásia); Naomi Kawase (Japão); Gus Van Sant (Estados Unidos); Claire Denis (França) e Pedro Costa (Portugal). A América Latina, como continente de vanguarda dos filmes de alta qualidade, não poderia ficar de fora, com a cineasta argentina Lucrécia Martel, o mexicano Carlos Reygadas e o brasileiro Karim Ainouz.

Claire Denis
Karim Aïnouz

Os cineastas brasileiros também produzem o cinema do sensível, filmes como O céu de Suely, 2006, de Karim Aïnouz; Deserto feliz, 2007, de Paulo Caldas; Viajo porque preciso, volto porque te amo, 2010, de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes; Os famosos e os duendes da morte, 2010, de Esmir Filho; Os monstros, 2011, de Pedro Diogenes, Guto Parente, Luiz Pretti e Ricardo Pretti; Girimunho, 2011, de Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr e Histórias que só existem quando lembradas, 2011, de Julia Murat. Existem muito mais.

O Cinema de Fluxo promete nos levar a questionar a ideia de lugar e tempo, marcada por uma rigidez territorial e temporal questionável no contexto do mundo contemporâneo. Esteja com a mente e coração abertos para o novo! 

DICAS:

Livro: A mise en scène no cinema: Do clássico ao cinema de fluxo, por Luiz Carlos Oliveira Júnior (Autor)

Vídeo: Ensaio produzido para a disciplina Estética Cinematográfica do 3º período do curso de Cinema e Audiovisual da Faculdade de Artes do Paraná (FAP) – Universidade Estadual do Paraná (Unespar)

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