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“PL do Veneno”: o rally entre os ruraristas e os ambientalistas 


Não, essa não é uma coluna de esportes.
Na última quinta-feira, dia 09 de maio, o Congresso Nacional derrubou os vetos do Presidente Lula ao Projeto de Lei (PL) 1459/22 que foi apelidado de “Pacote do Veneno” ou PL do Veneno. O Projeto de Lei havia sido aprovado em 2022 na Câmara dos Deputados. Em novembro de 2023 o Senado Federal aprovou e seguiu para sanção do Presidente Lula. Antes de tentarmos entender esse “bate bola” vamos voltar um pouco mais nessa “linha do tempo”.

A “PL do Veneno” surge com o interesse de revogar, quase que totalmente, a Lei nº 7.802, de 1999, e visa instituir um novo marco regulatório sobre o tema. O projeto original nasceu e foi aprovado pelo Senado, em 1999, apresentado pelo então senador Blairo Maggi. O projeto em questão (PL 1.459/2022) é o substitutivo dele. E durante esses 23 anos de tramitação, o texto passou por diversos ajustes.



O projeto tem vários pontos polêmicos, incluindo a proposta de mudança na denominação de ‘agrotóxico’ para ‘pesticida’ na legislação; o tempo máximo de análise dos agrotóxicos seria reduzido de 3 para 2 anos e seria definido um prazo para a obtenção de registros desses produtos, com a possibilidade de concessão de licenças temporárias caso os prazos não sejam cumpridos pelos órgãos responsáveis; e a atenuação da classificação clara de produtos prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente.

Outro ponto crucial, a meu ver, é a mudança do modelo regulatório tripartite para o registro de agrotóxicos no Brasil, adotado desde 1989, que pressupõe a participação de três órgãos principais:

Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa): Responsável pela análise da eficácia agronômica dos produtos e pela concessão do registro de agrotóxicos. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa): Encarregada de avaliar os riscos à saúde humana. E o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama): Focado na análise dos riscos ambientais.

Então temos duas “torcidas”: Os Ambientalistas, que apelidaram o projeto de “PL do Veneno”, acreditam que essa mudança representa um risco para a saúde. Por outro lado, os Ruralistas defendem a modernização dos produtos em utilização no mercado, maior agilidade na aprovação das solicitações e combate ao cartel de empresas que dominam o mercado (voltaremos nisso mais tarde!).

Voltando ao último rally, o governo Lula pretendia restabelecer o modelo regulatório tripartite, mas com a derrubada dos vetos, o modelo proposto pela bancada ruralista foi mantido. Ao todo, o Presidente Lula havia vetado 17 pontos do projeto de lei, e o Congresso reverteu 8 desses vetos. Outros dispositivos vetados ainda serão analisados pelos parlamentares em futuras sessões conjuntas.



A decisão do Congresso gerou controvérsia, com críticos argumentando que isso poderia aumentar o uso de agrotóxicos, colocando em risco a biodiversidade e a saúde das populações, embora o relator do Projeto de Lei, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) afirme que o texto aprovado no Senado não alteraria a competência de Anvisa e Ibama na análise dos registros, mesmo que o MAPA (agora MAP) passaria a ser o “órgão registrante”, como previsto nos arts. 6º e 7º.

Tive acesso ao Relatório da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado que foi favorável à aprovação há alguns pontos que foram destacados.Entre eles, a mudança metodológica da análise de perigo para a análise de risco para aumentar a segurança na aprovação, na comercialização e no uso dos pesticidas, atualmente utilizada nas avaliações regulatórias. Nesse sentido, a análise de risco, segundo a Embrapa, é utilizada pela maioria dos países desenvolvidos e caracteriza-se por considerar também a exposição ao pesticida e não somente suas características intrínsecas.

A referida mudança metodológica não representaria uma flexibilização, mas sim um rigor maior na avaliação dos novos produtos, pois a análise de risco é mais abrangente.

Outro ponto é o aumento da transparência que será proporcionado pela criação do Sistema Unificado de Informação, Petição e Avaliação Eletrônica (SISPA), coordenado pelo Ministério da Agricultura e que promete desburocratizar e agilizar o processo de registro e de controle do consumo de agrotóxicos.

E o que nos preocupa?


Várias entidades são contra a aprovação: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Anvisa, Ibama, Conectas, Greenpeace, Observatório do Clima, WWF, e outros. É relevante mencionar que estudos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) apontam o Brasil como o sétimo maior usuário de pesticidas no ranking mundial, ficando atrás de países como Japão, Coreia do Sul, Alemanha, França, Itália e Reino Unido. De acordo com a FAO, quando consideramos o uso de pesticidas em relação à quantidade de produtos agrícolas produzidos, o Brasil ocupa a 13ª posição. Além disso, se incluirmos as áreas de pastagens, o Brasil passaria para a 43ª posição. Além disso, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho) são registrados mais de 70 mil casos de intoxicação por agrotóxicos a cada ano.



Eu trago uma outra preocupação, pensando nas culturas agrícolas exploradas aqui na região Serrana do Rio de Janeiro, conhecida como “Cinturão Verde” com a produção de Olerícolas. Enquanto que no Brasil 2,6 milhões de hectares são destinados à produção de olerícolas, quase 45 milhões de hectares são destinados à soja. Os elevados custos e longos prazos de pesquisa, desenvolvimento e registro dos produtos fazem com que só haja registro de produtos para espécies de maior valor econômico, as grandes culturas: soja, milho, cana-de-açúcar, algodão, etc. E o que acontece na prática? Os agrotóxicos são utilizados, sem dados específicos para aquelas culturas, como o tempo necessário entre a última aplicação e colheita, dosagem segura e etc. Em 2015 foi apresentado um Projeto de Lei para disciplinar a prescrição de produtos destinados ao tratamento de culturas com suporte fitossanitário insuficiente, como o caso das olerícolas. No entanto, não houve avanços significativos e a proposição foi arquivada. E a PL do Veneno não traz novidades a respeito.

E de que lado eu estou: Do lado da eficiência agronômica no uso da terra, com o ambiental, o social e o econômico sendo prestigiados pela sustentabilidade, a partir do aumento da produtividade e da migração para sistemas de produção conservacionistas.

E fiquemos de olho para ver que time “marca ponto”. Se o campo não roça, a cidade não almoça!






Camila Porto

Camila Porto é engenheira agrônoma formada pela Universidade Federal de Viçosa. Atua na área rural desde 2014, diretamente com agricultores e em constante diálogo com instituições voltadas à pesquisa, assistência técnica e extensão rural como a Emater e Embrapa. Atualmente faz parte do grupo técnico agrícola da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Nova Friburgo e desde 2021 produz e apresenta o programa Zoom Rural na TV ZOOM.

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