O Plano-Sequência: Uma Imersão na Narrativa Cinematográfica
- outubro 25, 2024
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O plano-sequência cria uma imersão única, mas envolve desafios técnicos e custos de produção mais altos.
O plano-sequência cria uma imersão única, mas envolve desafios técnicos e custos de produção mais altos.
O plano-sequência é uma técnica cinematográfica que consiste em filmar uma cena inteira sem interrupções, ou seja, sem cortes. A câmera acompanha a ação de forma contínua, criando uma sensação de tempo e espaço reais que imerge o espectador na narrativa de maneira única.
A ideia de se fazer plano-sequência gera consequências em todas as partes do filme, sejam as dificuldades técnicas, impacto no espectador e, principalmente, nos custos de produção. Fazer um plano-sequência é mais caro do que fazer a mesma cena com cortes e uso de várias câmeras.
Vamos aos motivos que fazem do plano-sequência uma escolha interessante e importante.
Os planos-sequência têm um papel importante ao intensificar a imersão e o realismo no cinema, permitindo que o espectador se sinta parte dos eventos em tempo real. A continuidade do movimento e a ausência de cortes criam uma experiência autêntica e envolvente. Além disso, essas cenas são valiosas para o desenvolvimento de personagens, já que a fluidez da ação revela emoções, reações e interações de maneira mais natural e dinâmica.
Também são uma ferramenta poderosa para construir ritmo e tensão, pois a continuidade pode gerar um crescente emocional, conectando o espectador à ação e suas consequências. Por fim, o uso de planos-sequência pode ser uma marca estilística de diretores, destacando a criatividade e a inovação, fazendo com que filmes que adotam essa técnica se sobressaiam por suas abordagens visuais únicas.
Filmar um plano-sequência exige uma coordenação minuciosa entre a equipe de filmagem, atores e cenários, o que demanda ensaios extensivos para garantir que todos os movimentos estejam perfeitamente sincronizados. A cinematografia nesse tipo de cena também precisa ser cuidadosamente planejada, com a escolha do equipamento correto, como steadicams ou gruas, para garantir que a câmera se mova de forma suave e capte todos os detalhes essenciais. Além disso, a iluminação deve ser controlada de maneira consistente ao longo do take, o que pode ser especialmente desafiador em cenas externas ou ambientes com variações de luz, exigindo uma colaboração estreita entre a equipe de iluminação e a câmera.
Embora a ideia seja evitar cortes, a edição posterior ainda pode apresentar dificuldades, particularmente quando há a necessidade de integrar efeitos visuais ou sons sem comprometer a fluidez da cena.
O uso de planos-sequência cria uma conexão emocional mais forte entre o espectador e os personagens, intensificando o envolvimento com a narrativa. A continuidade das cenas gera uma sensação de “estar lá”, o que aumenta a imersão emocional. Além disso, essa técnica pode construir momentos de surpresa e suspense, já que o espectador não tem a chance de se preparar para a próxima ação, mantendo-o em constante expectativa.
Cenas icônicas filmadas em plano-sequência tendem a ser mais memoráveis, frequentemente se tornando símbolos de seus filmes. Elas deixam uma impressão duradoura e costumam gerar discussões sobre a habilidade técnica envolvida em sua criação.
A produção de planos-sequência pode demandar um orçamento maior, pois requer mais ensaios, equipamento especializado e uma equipe técnica ampliada. Além disso, o tempo de filmagem pode ser significativamente maior, já que o sucesso de um take longo muitas vezes depende de condições específicas. O tempo perdido em tentativas e ensaios pode, portanto, aumentar os custos gerais da produção.
Outro fator a ser considerado é o risco: se um plano-sequência não sair conforme o planejado, pode ser necessário realizar refilmagens significativas, o que eleva ainda mais os custos e o tempo de produção.
Os planos-sequência são uma ferramenta poderosa no cinema que, embora apresentem desafios técnicos e orçamentários, podem proporcionar uma experiência cinematográfica única e impactante para o espectador.
Aqui estão alguns filmes que possuem plano-sequência marcantes na história do cinema:
Plano-sequência: Cenas de abertura e o “Snow Globe”
Técnica: Utilizando travellings e profundidade de campo, Orson Welles inovou ao criar planos longos e contínuos que exploravam a profundidade espacial da cena. O diretor de fotografia Gregg Toland empregou lentes grande-angulares para manter tudo em foco, permitindo que várias ações ocorressem no mesmo plano.
Cena destacada: A famosa cena do “Snow Globe”, onde um vidro é quebrado, é registrada em um longo take que enfatiza a decadência e o mistério de Charles Foster Kane. A profundidade de campo ajuda a manter o foco em diversos elementos da cena ao mesmo tempo.
Plano-sequência: Cena no estádoi de futebol
Técnica: Esse plano-sequência envolve uma transição de imagens aéreas do estádio de futebol até a perseguição dentro das arquibancadas, tudo em um único take, criando uma tensão crescente e realista. A cena foi feita através de uma combinação de efeitos digitais e uma coordenação meticulosa com atores e câmeras.
Cena destacada: A câmera segue um voo aéreo sobre um estádio cheio, descendo até a ação, onde uma perseguição acontece dentro das arquibancadas. O take transmite uma sensação de urgência e envolvimento, colocando o espectador no centro da ação.
Plano-sequência: Entrada no Copacabana
Técnica: O filme usa um famoso plano-sequência quando o personagem Henry Hill (Ray Liotta) leva sua namorada ao clube noturno Copacabana. A câmera segue os personagens enquanto atravessam a entrada dos bastidores até o salão principal, tudo em um único take. O uso de steadicam foi essencial para manter a fluidez e suavidade no movimento.
Cena destacada: A steadicam segue os dois protagonistas enquanto eles atravessam cozinhas, corredores e chegam até o palco principal, transmitindo a sensação de poder e acesso privilegiado de Hill ao mundo do crime. A sequência dura aproximadamente três minutos.
Plano-sequência: Ataque dos Arikara
Técnica: A equipe de filmagem utilizou câmeras digitais Arri Alexa 65 e uma combinação de steadicam e filmagens manuais para capturar a brutalidade do ataque de forma imersiva. O diretor de fotografia Emmanuel Lubezki optou por usar luz natural, o que aumentou o realismo da cena.
Cena destacada: O plano-sequência acompanha Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) enquanto os Arikara atacam seu grupo. A câmera se move com uma fluidez incrível, capturando a ação intensa sem cortes visíveis, o que cria uma experiência visceral para o espectador.
Plano-sequência: Todo o filme
Técnica: Embora o filme seja composto por várias cenas filmadas separadamente, o diretor e o diretor de fotografia Emmanuel Lubezki criaram a ilusão de que tudo foi capturado em um único take contínuo. Usaram efeitos digitais para suavizar as transições entre cenas e steadicams para manter a fluidez.
Cena destacada: Todo o filme é um exercício de continuidade sem cortes visíveis. A narrativa segue Riggan Thomson (Michael Keaton) por trás dos bastidores de uma peça de teatro, criando um ritmo dinâmico e fluido que mistura o real e o surreal.
Plano-sequência: Cena da luta na escada
Técnica: Esse plano-sequência é notável pela coreografia complexa e pela falta de cortes em uma cena de luta. A steadicam segue Tony Jaa subindo as escadas enquanto luta contra vários inimigos, em uma tomada que dura quase quatro minutos sem interrupção. A coordenação dos dublês e a precisão nas coreografias foram essenciais.
Cena destacada: A câmera segue Tony Jaa lutando através de um prédio, subindo vários andares enquanto enfrenta inimigos. A complexidade da cena reside na coreografia de luta extremamente detalhada e na falta de cortes, o que aumenta a tensão e o impacto das cenas de ação.
Plano-sequência: Todo o filme
Técnica: Hitchcock fez uso de tomadas longas e contínuas para dar a impressão de um filme sem cortes. Na época, os rolos de filme de 35mm permitiam gravações de até 10 minutos, então ele criou transições suaves disfarçadas em movimentos de câmera para “esconder” os cortes. Isso cria uma sensação de tempo real no decorrer da narrativa.
Cena destacada: Todo o filme acontece em tempo real, e a câmera segue os personagens em um apartamento onde ocorre um assassinato. A tensão é construída pela falta de cortes visíveis e pela sensação contínua de ação, com movimentos de câmera cuidadosamente coreografados.
Cena: https://www.youtube.com/watch?v=NZ3PWUxUo8I
Confira neste vídeo todos os cortes escondidos do filme: https://vimeo.com/76087987
Plano-sequência: Cena do corredor
Técnica: A sequência da luta no corredor foi filmada em um único take usando uma câmera que se move horizontalmente ao longo de uma parede. A cena foi coreografada como uma luta em “plano 2D”, lembrando o estilo dos videogames. A luta é realista e crua, e foi filmada sem dublês.
Cena destacada: O protagonista luta contra dezenas de inimigos em um corredor estreito, sem cortes, em uma cena coreografada com precisão que dura mais de três minutos. A tensão e o cansaço do personagem são palpáveis, graças à continuidade ininterrupta.
Plano-sequência: Ataque ao carro e a batalha no campo de refugiados
Técnica: A cena do ataque ao carro foi gravada com uma câmera presa a um braço robótico, permitindo que ela se movesse dentro do veículo, filmando os personagens sem cortes aparentes, enquanto a ação se desenrola ao redor. Além disso, a cena da batalha no campo de refugiados foi filmada com uma combinação de steadicam e câmeras digitais Arri, com efeitos especiais inseridos digitalmente para criar a ilusão de tiros e explosões. A luz natural foi amplamente usada para aumentar o realismo.
Cena destacada: O ataque ao carro, um plano-sequência de mais de três minutos, segue os personagens enquanto tentam escapar de uma emboscada, tudo filmado dentro do veículo. Outra cena marcante é a batalha na área de refugiados, onde a câmera acompanha o protagonista por quase seis minutos enquanto ele corre por um ambiente caótico, sem cortes visíveis. Ambos os planos criam uma sensação de urgência e imersão.
Plano sequência: Todo o filme é um único take
Técnica: “Victoria” é um thriller que se destaca por ser filmado em um único plano sequência de 138 minutos, utilizando uma câmera digital Red Epic. A equipe enfrentou o desafio de filmar em várias locações em Berlim, o que exigiu uma cuidadosa coordenação de movimento e temporização. Os atores tiveram que memorizar diálogos longos e coreografias complexas, já que o filme foi feito em um único take sem interrupções.
Cena destacada: O filme segue uma jovem espanhola, Victoria, que, após uma noite de festa, se envolve com um grupo de homens em Berlim. A câmera acompanha a personagem em tempo real, capturando a tensão crescente e os altos e baixos da noite. O plano sequência permite que o espectador vivencie a intensidade e a urgência das situações à medida que a história avança, criando uma sensação de imediata proximidade e envolvimento com os personagens e suas decisões. Essa abordagem inovadora e imersiva torna “Victoria” uma experiência cinematográfica única e impactante.
Cena: https://www.youtube.com/watch?v=DogZcS8bMpc
Plano-sequência: Todo o filme é um único take
Técnica: “Arca Russa” é notável por ser filmado em um único plano-sequência de 96 minutos, utilizando uma câmera digital. Sokurov e sua equipe conseguiram criar essa ilusão contínua com uma coreografia meticulosa e ensaios extensivos. A filmagem foi realizada no Museu do Hermitage, em São Petersburgo, e a equipe utilizou um sistema de steadicam para capturar a fluidez do movimento pelos diferentes ambientes do museu.
Cena destacada: O filme segue um narrador anônimo que passeia pelo Hermitage, interagindo com figuras históricas enquanto reflete sobre a história da Rússia. O longo take permite que o espectador se sinta como um participante da jornada, explorando as ricas coleções de arte e os espaços históricos do museu. A fluidez da cena, combinada com a profundidade do conteúdo histórico e cultural, cria uma experiência imersiva e contemplativa, destacando a interconexão entre arte, história e identidade.
Cena: https://www.youtube.com/watch?v=6ziy8GahWEs
Confira o making of de Arca Russa: https://www.youtube.com/watch?v=ORMTAKh4NHI
Agora, trago o crítico de cinema francês André Bazin para enriquecer nossa conversa sobre o plano sequência. Em seu livro “O Realismo Impossível,” Bazin explora a ideia de que o cinema deve ser um reflexo da realidade. Uma das suas defesas centrais é a técnica do plano sequência como um meio de alcançar esse realismo. Ele argumenta que, ao utilizar planos longos e contínuos, os cineastas podem capturar a essência da vida e da ação de forma mais autêntica do que por meio de cortes rápidos e montagem excessiva.
Com seu mestrado em filosofia e especialização em Heidegger, Terrence Malick incorpora diversas ideias filosóficas em seu cinema, especialmente os conceitos explorados em Ser e Tempo (Sein und Zeit). Heidegger investigava a natureza do “ser”, a temporalidade e a forma como os seres humanos habitam o mundo — temas centrais nos filmes de Malick.
André Bazin defende que o plano sequência oferece uma representação mais fiel da realidade, permitindo que o espectador se sinta imerso na cena. Ele argumenta que a continuidade do movimento ajuda a manter a atenção do público e a criar uma experiência mais visceral. Ao filmar em um plano sequência, a relação entre os personagens e o ambiente torna-se mais evidente, pois essa técnica permite que o espectador perceba a espacialidade e a temporalidade da cena de maneira mais orgânica, capturando a dinâmica entre os elementos da narrativa.
Além disso, o plano sequência proporciona aos atores a oportunidade de desenvolver suas performances em um contexto mais autêntico, sem a interrupção que ocorre devido a cortes frequentes. Isso resulta em atuações mais naturais e convincentes, fundamentais para a credibilidade da narrativa cinematográfica.
Bazin critica o estilo de edição rápida e fragmentada, que pode distorcer a percepção da realidade, argumentando que o plano sequência contrasta com essa abordagem ao permitir que a ação se desenrole de maneira mais direta e sem artifícios. Para ele, o cinema deve aspirar à veracidade, e o plano sequência é uma ferramenta poderosa para alcançar esse objetivo, representando a vida de forma mais honesta e capturando a complexidade da experiência humana de maneira mais completa.
Esses filmes demonstram como o plano-sequência é uma ferramenta poderosa que permite aos cineastas criarem experiências cinematográficas mais imersivas e significativas. Ao desafiar as convenções da linguagem cinematográfica, o plano-sequência convida o espectador a refletir sobre a natureza da realidade, da representação e da própria experiência cinematográfica. Demonstram como o plano-sequência pode ser uma técnica poderosa para intensificar a imersão e o impacto emocional de uma cena ou até de um filme inteiro.
Graduado em Pedagogia e Cinema pela PUC-Rio, Leo Arturius assumiu a cadeira de direção em nove filmes, como produtor foram oito e outros sete como continuísta. Desde 2016 oferece cursos de roteiro e documentário na cidade de Nova Friburgo e, em 2017, obtive seu ápice profissional ao ter um filme selecionado no Festival de Cannes. A carreira teve uma guinada em 2019, começou a fazer exposição de fotografia sobre a cidade de Nova Friburgo. Friburguenses e cariocas já tiveram a oportunidade de entrar em contato com seu olhar de estrangeiro sobre a cidade serrana. Em 2023 assumiu a cadeira de professor de documentário no Colégio Nossa Senhora das Dores e de marketing digital no Senai Nova Friburgo. Em 2024 retorna a atuação regular em produções com sua direção cinematográfica e assumiu o cargo de produtor de conteúdo na TV Zoom.