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Sidermia Global: um monstro de 3 cabeças que já nos assombra 

Na semana passada foi divulgada uma pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que avaliou a qualidade da alimentação avaliando a influência de diferentes fatores como a renda familiar, idade, sexo e localidade. O resultado dessa pesquisa é insumo para analisarmos e refletirmos sobre o que e como estamos nos alimentando e qual a influência disso para a nossa saúde e para a saúde do nosso planeta. Viagem? Te provo que não! 

De onde viemos? E para onde vamos?

As sociedades globais estão se tornando cada vez mais urbanas. Quando olhamos para todo o globo, MAIS DA METADE das pessoas vivem em áreas urbanas. E a estimativa é  que em 2050, um terço do mundo será rural e dois terços urbanos. A América Latina e o Caribe são algumas das regiões mais urbanas do mundo. Em poucas décadas, países como o Brasil abandonaram o perfil rural e tornaram-se predominantemente urbanos, sendo 80% de residentes urbanos em 2010. Simultaneamente à mudança para a vida urbana, a expansão dos ambientes construídos e ao desenvolvimento de novas tecnologias, o uso do solo, o clima, o transporte e a produção e distribuição de alimentos se transformaram. 

Precisamos voltar um pouco no tempo para avaliar o acelerado fenômeno da urbanização, que se deu em um curto período de tempo, provocando mudanças na forma como os alimentos são produzidos, distribuídos e consumidos. Atualmente, cada vez mais envoltos em um ritmo de vida acelerado, a redução do tempo de preparo dos alimentos se tornou uma grande aliada, assim como a realização de refeições fora de casa e a  uma demanda expressiva por alimentos ultraprocessados, por exigirem pouco ou nenhum tempo de preparo e apresentar considerável durabilidade (quase infinita). Esse hambúrguer aqui do lado, no ano que vem completa 30 anos! Você comeria?

Nos EUA, já em 2009, 60% das calorias ingeridas pelos indivíduos eram alimentos ultraprocessados, segundo dados do National Health and Nutrition Examination Survey. No Brasil, Pesquisas de Orçamentos Familiares nacionais (1987-2018) evidenciaram redução significativa de ingredientes culinários e do grupo cereais, leguminosas e oleaginosas, associada ao aumento da aquisição de alimentos ultraprocessados. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) em 2013, por sua vez, evidenciou uma prevalência de consumo regular de refrigerante ou suco artificial de 21,7%, e o consumo recomendado de frutas e hortaliças de 37,3%. Em média, o brasileiro toma 116,8 mililitros de bebidas com adição de açúcar por dia, como sucos artificiais e refrigerantes e apenas 127 mililitros de leite por dia. Enquanto que a Suécia, país de primeiro mundo, lidera no consumo de leite (295,7 mililitros diários por pessoa), seguidos por Islândia e Finlândia (266,1 mililitros).

Apesar do País ser o 5º maior produtor de alimentos do mundo, milhões de brasileiros passam fome e a obesidade atingiu 19,8% em 2018. A má nutrição em todas as suas formas, incluindo a desnutrição, a obesidade e outros riscos alimentares para doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), é, de longe, a principal causa (19%) de doenças e mortes prematuras no mundo todo. A forma de atuação e de organização do agronegócio e das grandes indústrias alimentícias os tornam atores significativos do problema da Sindemia Global

O conceito “Sindemia Global”, sinergia de pandemias que coexistem no tempo e no espaço, aponta que as três pandemias – obesidade, desnutrição e mudanças climáticas – interagem umas com as outras e exercem uma influência mútua em sua carga para a sociedade. 

Por exemplo, os sistemas alimentares adotados não apenas impulsionam as pandemias de obesidade e desnutrição, mas também geram de 25-30% das emissões de gases do efeito estufa (GEEs). Se pensarmos por exemplo em toda a cadeia de transformação do trigo, desde o campo (monocultura), todos os tratos culturais, plantio, colheita, transporte do trigo para as fábricas (óleo diesel), trabalho das máquinas, embalagem (plástico: petróleo), transporte para os mercados… Pegue a embalagem do macarrão instantâneo e observe de onde é a fábrica. o seu ingênuo Miojo, preparado em 3 minutos não é tão inofensivo assim! 

Sistemas de transporte dominados por carros apoiam estilos de vida sedentários e geram entre 14-25% dos GEEs. Outro fato, as mudanças climáticas aumentarão a desnutrição por meio do aumento da insegurança alimentar resultante de eventos climáticos extremos, secas e mudanças na agricultura. 

Muitas recomendações atuais para reduzir os índices de obesidade e de desnutrição também serão benéficas para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, e vice-versa. E quem está segurando as rédias desse grande cérbero (aquele cão tricéfalo, com um corpo colossal e uma aparência aterrorizante)? Nós, os consumidores! 

Superar esse paradigma representa reequilibrar as forças que estimulam dietas mais saudáveis e desestimulam o consumo de alimentos ultraprocessados, priorizam o uso da terra para uma agricultura justa, limpa e sustentável, e reduzem substancialmente as emissões de gases de efeito estufa. 

Em Portugal existe desde 2013 a campanha “Gente bonita come Fruta Feia”, motivada pelo fato de que cerca de 30% da fruta produzida em Portugal é desperdiçada, mesmo sendo saborosa e de qualidade, por não ter o aspecto perfeito em termos de cor, formato e calibre que a grande distribuição procura e que os consumidores escolhem. A cooperativa que conta com cerca de 350 agricultores e 9000 consumidores evita semanalmente que cerca de 24 toneladas de fruto-hortícolas vão parar no lixo.

Aqui em Nova Friburgo, nós consumidores temos várias opções de Feiras Livres ao longo da semana! Quinta e Domingo em Olaria, Sábado na Vila Amélia e em Amparo e ainda a Feira do Viaduto no final de semana. Alimentos produzidos pela Agricultura Familiar LOCAL (QUASE nada de emissão de GEE no transporte), alguns produtores orgânicos, alimentos da estação, maduros, já que não precisam ser colhidos ainda “de vez” para atravessar o país e abastecer grandes redes de supermercados chegando às nossas mesas com aquele “gosto de isopor” que nos afasta cada vez mais do consumo de alimentos saudáveis!  

Bom, amanhã é dia de feira! E lembre-se se o campo não roça, “ceis” não almoça BEM 😉 

E de fresco, só o alimento no prato! 

Camila Porto

Camila Porto é engenheira agrônoma formada pela Universidade Federal de Viçosa. Atua na área rural desde 2014, diretamente com agricultores e em constante diálogo com instituições voltadas à pesquisa, assistência técnica e extensão rural como a Emater e Embrapa. Atualmente faz parte do grupo técnico agrícola da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Nova Friburgo e desde 2021 produz e apresenta o programa Zoom Rural na TV ZOOM.

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