Tratores bloqueando rodovias, estrume e palha: O que está acontecendo na Europa?
janeiro 31, 2024
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Você já deve ter se deparado com vídeos de agricultores europeus em expressivas manifestações, com tratores e outros maquinários obstruindo rodovias e, em alguns deles agricultores atirando estrume
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Você já deve ter se deparado com vídeos de agricultores europeus em expressivas manifestações, com tratores e outros maquinários obstruindo rodovias e, em alguns deles agricultores atirando estrume e palha nas proximidades do Palácio do Eliseu, a residência oficial do presidente da França. Tais protestos têm se intensificado na Europa e vamos entender o porquê.
A França é o quinto país afetado por estes protestos, depois da Holanda, Alemanha, Polônia e Romênia. Os protestos receberam o apelido de “movimento dos “coletes verdes”, a cor das plantações, do uniforme de trabalho dos agricultores e de seus tratores.
Os agricultores protestam contra a diminuição da renda e criticam a evolução da Política Agrária Comum (PAC). Segundo um estudo publicado pelo Instituto Nacional de Estatística (INSEE), a receita dos agricultores franceses deve despencar 34,4% este ano, depois de ter caído 20,3% em 2008 em virtude do desabamento dos preços, da diminuição dos subsídios e do aumento de certos custos associados ao crédito.
Mas o que é a PAC?
Lançada em 1962, a Política Agrícola Comum (PAC) apoia os agricultores no papel que desempenham no fornecimento de alimentos de elevada qualidade e a preços comportáveis aos cidadãos da UE.
Em novembro de 2021, o Parlamento Europeu aprovou a nova Política Agrícola Comum (PAC) que entrou em vigor em Janeiro de 2023, com foco em transformar a agricultura europeia para ser mais ecológica e um orçamento de € 387 bilhões até 2027, para os mais de 10 milhões de agricultores na UE, responsáveis por 39 % dos terrenos da UE (quase metade da Europa).
Esta soma é dividida em diferentes partes. A primeira e principal inclui € 270 bilhões destinados a subvenções diretas aos agricultores europeus. A segunda apoia o desenvolvimento rural. Atualmente, a PAC recebe 31 % do orçamento da UE e custa cerca de 30 cêntimos por dia ao cidadão da UE.
E como parte dessa nova política, o Executivo europeu, que administra o orçamento da PAC e sua distribuição entre os 27 países do bloco, introduziu os “ecorregimes”, um mecanismo para encorajar boas práticas ambientais e subsídios aos agricultores que participarem. Os Estados também devem dedicar pelo menos 35% do orçamento do desenvolvimento rural a iniciativas ligadas ao meio ambiente e ao clima.
Entre as práticas que podem ser recompensadas por melhores condições de financiamento estão o cultivo de orgânicos; redução do uso pesticidas, fertilizantes químicos e antimicrobianos; manejo integrado de pragas; bem-estar animal; práticas de redução da emissão de carbono; agricultura de precisão; redução do uso de água; entre outras.
Com uma atribuição de € 66,2 bilhões – mais de 18% do total pré-concedido –, a França é de longe a primeira beneficiária da PAC, seguida da Espanha (12%) e da Alemanha (11%). E é também da França que temos acompanhado os agricultores mais “descontentes”.
Associações que representam os agricultores franceses estão mobilizados contra o que chamam de “overdose” de regulamentações impostas pelo Acordo Verde da União Europeia. As medidas de adaptação a uma agricultura mais respeitosa do meio ambiente e resiliente exigem investimentos no modo de produção, em um momento em que os subsídios financiados pela Política Agrícola Comum diminuíram e provocaram queda na remuneração dos produtores. Entre 2003 e 2023, o valor das ajudas diretas caiu 37%, o que representa metade do rendimento dos agricultores, em média, na Europa.
Por lá o governo também definiu um aumento gradual no imposto cobrado sobre o diesel (combustível fóssil) consumido pelos agricultores. Neste ano, a tributação sobe para 0,67 centavos de euro por litro, quase 3 centavos a mais do que os produtores pagavam em 2023.
“E na terra de Pelé?”
Em todo o mundo, o setor agrícola enfrenta alguns desafios únicos. É altamente dependente do tempo e do clima, e a produção requer tempo e planejamento. Padrões de procura imprevisíveis causam instabilidade permanente no mercado, conduzindo a preços voláteis. Muitas vezes o produtor é incentivado a cultivar tomate, por exemplo, quando o valor da caixa (20kg) está à R$100, 00 venda e na época da colheita, a cotação chega a R$40,00.
Muito se fala sobre os “subsídios do agro”, quando comparado a outros setores. Mas isso é verdade por aqui?
Ao contrário do que diz o senso comum, o Brasil tem apenas 1 a 2% de subsídio em relação à receita bruta do produtor. Já os Estados Unidos e a China subsidiam em torno de 12% e a União Europeia subsidia cerca de 20% em relação à renda bruta do produtor.
Países concorrentes do Brasil, como os da União Europeia, China e Estados Unidos, subsidiam suas produções agropecuárias visando garantir sua segurança alimentar, trazendo estabilidade aos produtores rurais, enquanto protegem a sua produção da competição do mercado internacional.
E o Kiko?
Enganasse quem acha que esse papo é apenas para os magnatas do agronegócio. Embora, mesmo sem o auxílio dos subsídios, as exportações brasileiras do agronegócio bateram recorde em 2023, atingindo US$ 166,55 bilhões.
E do ponto de vista ambiental, não “arregamos pra gringo” não! O Brasil utiliza somente 30% de suas terras para a agricultura, ao passo que 66% do seu território ainda se encontra preservado com vegetação nativa. Segundo as informações fornecidas pela Embrapa, o Brasil possui mais de 200 milhões de hectares de áreas de vegetação nativa e unidades de conservação.
Práticas agropecuárias sustentáveis somadas à utilização de insumos de alta eficiência, melhoramento genético e políticas agrícolas, como o crédito e o seguro rural, foram fundamentais para a criação desta agricultura tropical de base sustentável.
Portanto, o Brasil tem um papel privilegiado no enfrentamento de dois grandes desafios globais: segurança alimentar e conservação de recursos naturais. Mais do que isso, ele tem a capacidade de responder simultaneamente a estes desafios. Sendo possível, impulsionar a pesquisa e a disseminação de tecnologias agrícolas tropicais que garantam o aumento contínuo da produtividade alinhado à conservação ambiental. Ou seja, produzir cada vez mais alimento, utilizando menores áreas e ainda remunerando o produtor pelo seu trabalho de preservação. Como? Isso é assunto para um outro dia!
E lembrem-se, sem a roça ceis não almoça! (E vamos deixar essa “Síndrome do Vira-lata” de lado porque nosso Caramelo Agro tem muito o que ensinar!)
Camila Porto é engenheira agrônoma formada pela Universidade Federal de Viçosa. Atua na área rural desde 2014, diretamente com agricultores e em constante diálogo com instituições voltadas à pesquisa, assistência técnica e extensão rural como a Emater e Embrapa. Atualmente faz parte do grupo técnico agrícola da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Nova Friburgo e desde 2021 produz e apresenta o programa Zoom Rural na TV ZOOM.
2 Comments
Excelente artigo,mostrando a realidade da agricultura na Europa
Parabens,jornalismo de verdade, com realmente deve ser ,sem ser tendencioso ou militante.